Poema A Mão à Candido Portinari


Trecho do poema A Mão, de Carlos Drummond de Andrade declamado por ele mesmo, com imagens de Portinari pintando os painéis Guerra e Paz (1952-1956) para a sede da ONU, em Nova York (filme histórico cedido por Sílvio Tendler e pulbicado no canal do Portinari.org).

Em 6 de fevereiro de 1962, dia da morte de Portinari, Drummond o homenageou compondo o poema A Mão, que segue na íntegra abaixo.



Fonte: Canal no Youtube do Portinari.org

A mão
Entre o cafezal e o sonho
o garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
e nada mais resiste à mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos
A mão cresce mais e faz
do mundo-como-se-repete o mundo que  telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível.
Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor.
Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica
não para aplacar a sede dos companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento da terra domícilio do homem.
Entre o sonho e o cafezal
entre guerra e paz
entre mártires, ofendidos,
músicos, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide:
Todos os meninos, ainda os mais desgraçados,
sejam vertiginosamente felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em duas gerações
da criança que balança como flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente
em seu poder de encantação.
Agora há uma verdade sem angústia
mesmo no estar-angustiado.
O que era dor é flor, conhecimento
plástico do mundo.
E por assim haver disposto o essencial,
deixando o resto aos doutores de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voa para nunca-mais
a mão infinita
a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari.

Gilberto Araujo

4 comentários:

  1. E muito comprido mas eu consegui copiar ;-)

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  2. qual a conclusão das duas primeras estrofes não entendi oq quer dizer?alguem pode me ajuda por favor????

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  3. Olá Anônimo, obrigado novamente pela visita, fico feliz que este poema tenha chamado sua atenção. Não é muito fácil entende-lo mesmo. Como pode ver, ele trata da vida e, sobretudo, obra de Portinari, que começou a pintar muito cedo, e teve uma educação cristã muito forte e isso refletiu em boa parte de suas obras em Brodowski e mesmo depois. Drummond conseguiu através da poesia pintar com palavras todo o encantamento que ele sentia pelo Portinari e sua obra; os dois eram grandes amigos. Bem, te convido a pesquisar um pouco mais sobre Portinari, pois sei que você vai descobrir outras belezas deste poema, que sempre que leio, me emociono...

    É isso. Espero que te ajude, e volte mais veze. Meu Abraço

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  4. Associação de duas belezas sem par: poema de Drumond e obras do Portinari. Que bom encontrei o poema para tê-lo comigo. Ouvi na exposição, junto com aquelas imagens inesquecíveis. Portinari, que descobri aos meus 56 anos de idade e atualmente, procuro tudo ver, tudo conhecer. Que obra, mas, sobretudo, que vida admirável!!!!
    Maria Inês Boechat

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