
A linha
América Latina
Brasil
São Paulo
Franco da Rocha
Francisco Morato
Aqui não tem ideia torta
Se liga no papo
Não fica no centro
Fica lá na margem
Do outro lado
E pra chegar é pela linha
Estrada de ferro
Erva daninha
Que costura as periferias
A linha
nos une
Nos pune
Nos funde
No estreito gume
Da navalha
Lá não se joga a toalha
Não dá tempo
Pra ter esse luxo
Não se perde tento
Marcha-se atento
Seguindo o fluxo
tutu tutu
tutu tutu
tutu tutu
De uma ponta a outra da linha
Com um salário sombrinha
Nos equilibramos
Nos sacodes do trem
nos acordes da vida
Na linha que vibra
Seguimos o pulso
tutu tutu
tutu tutu
tutu tutu
Cada vez mais putos
Pagando mais tributos
A cada insulto
A cada pulo
A cada susto
A cada surto
A cada virada de rumo
Seguimos mudos
Colecionando a cada dia
Novos velhos corruptos
tutu tutu
tutu tutu
tutu tutu
Essa linha
Essa sina
Nos alinha
A uma lida
Assassina
E a vida?
Ah, a cada dois anos
O mesmo engodo
O mesmo engano
O mesmo nojo
Pra cima da gente
é sempre
A mesma ladainha
Que não desce
Que engasga
Como uma espinha
Na garganta
E não adianta
É na labuta diária
Que a dor estanca
Não, não não
É com a corda no pescoço
Sempre roucos
Dos gritos moucos
Reclamando do sufoco
Que não é pouco
Que seguimos sós
Desatando os nós
Emendando os pedaços
Dividindo os nacos
Ensacando os cansaços
Acumulados
Engolindo sapos
E sábado…
Ah, ainda é dia
Fica pro domingo a alegria
De algumas horas
Pra fazer as melhoras
Naquela eterna na obra
Que um dia, quiçá
Será um quarto
Só mais um puxado
Pro menino que virá
Mas até lá
Pra não morrer de infarto
Estico a linha do imaginário
Elaboro novos itinerários
Desfaço esses contrários
Desembaraço esses emaranhados
De arames farpados
Me dispo do proletário diário
E esqueço por um instante
Esse eterno calvário
De ter que resistir neste Estado ordinário
Com esse governo mercenário, temerário
E seu sistema tributário, sanguinário
Comendo todo mês
metade do meu salário, caralho!
Já não bastasse o transporte precário
Que pago caro
Pra me ser mais um enlatado
Duas vezes por dia
Me dispo de tudo isso
Pra disfarçar minha agonia
Pra me sentir menos otário
E miro meu olhar
na linha do horizonte
Que esconde o sol
Só a sombra
Cruza a linha torta dos morros
E não demora,
Daqui a pouco
A cidade acorda
Com os latidos dos cachorros
Pra começar tudo novo tudo
tutu tutu
tutu tutu
tutu tutu