“Eu remava na popa e ele na proa na famosa viagem a Godstow (...), em que as três senhoritas Liddell eram nossas passageiras; e a história foi (...) composta e contada (...). Lembro de (...) dizer: ‘Isso é um romance improvisado seu, Dodgson?’ E ele respondeu: ‘É, estou inventando à medida que avançamos.’ Lembro-me também de como, quando levamos as três crianças de volta para a residência do deão, Alice disse, ao nos dar boa-noite: ‘Oh, sr. Dodgson, gostaria que escrevesse as aventuras de Alice para mim.’ Ele respondeu que iria tentar; e, mais tarde, disse-me que havia passado quase a noite toda acordado, registrando num caderno suas lembranças da história com que animara a tarde.”
Reverendo Robinson Duckworth
Reverendo Robinson Duckworth
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Dois anos após esses acontecimentos, Lewis Carroll presenteou Alice Pleasance Liddell com um exemplar – escrito à mão e ilustrado por ele mesmo – de Alice’s Adventures Underground, que narra as façanhas de Alice, tal como tinham sido contadas naquela tarde quente de verão. Na mesma época, ele estava reescrevendo a história, acrescentando-lhe novos capítulos. E, em 1865, foi lançada a primeira edição de Alice’s Adventures in Wonderland, com ilustrações de John Tenniel (1820- 1914).
LEITURA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Agora, retornando à questão de, no Brasil, Aventuras de Alice no País das Maravilhasser frequentemente considerado leitura para crianças e adolescentes...
Há, pelo menos, três razões para isso:
1 – a história de Alice “nasceu” como narrativa oral, para divertir três meninas, e foi escrita a pedido de uma delas;
2 – é extremamente difícil para os adultos considerarem como uma obra para maiores de dezoito anos um livro que narra as façanhas de uma menina num mundo imaginário, um lugar onde acontecem os maiores absurdos, um lugar onde não prevalece a lógica que conhecemos, um lugar onde os animais (coelhos, camundongos, pássaros, lagartos, peixes, gatos, lebres, tartarugas) falam, um lugar governado por cartas de baralho;
1 – a história de Alice “nasceu” como narrativa oral, para divertir três meninas, e foi escrita a pedido de uma delas;
2 – é extremamente difícil para os adultos considerarem como uma obra para maiores de dezoito anos um livro que narra as façanhas de uma menina num mundo imaginário, um lugar onde acontecem os maiores absurdos, um lugar onde não prevalece a lógica que conhecemos, um lugar onde os animais (coelhos, camundongos, pássaros, lagartos, peixes, gatos, lebres, tartarugas) falam, um lugar governado por cartas de baralho;
3 – a maioria das pessoas conhece Aventuras de Alice no País das Maravilhas por meio de versões, adaptações e pseudotraduções – versões, adaptações e pseudotraduções essas que apenas empobreceram e tornaram sem graça e simplório o rico texto de Lewis Carroll – destinadas ao público infantil.
ÓTIMAS TRADUÇÕES
Para finalizar, quero dizer que existem em português algumas (poucas) ótimas traduções de Aventuras de Alice no País das Maravilhas. E duas delas merecem destaque: a de Sebastião Uchoa Leite (São Paulo, Fontana/Summus, 1977), que, segundo Isabel De Lorenzo (Alice no País das Maravilhas, São Paulo, Objetivo/Sol, 2000), foi “a pioneira na proposta de recriação não só da fábula (...), mas também dos complexos jogos de linguagem que constituem o principal sabor” do texto de Lewis Carroll; e a de Maria Luiza X. de A. Borges (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002).
Lendo qualquer uma dessas traduções, o leitor logo perceberá a imensa criatividade de Lewis Carroll, que, utilizando-se do nonsense
, fez, em Aventuras de Alice no País das Maravilhas, uma crítica divertida e mordaz às normas naturais que regem nossa vida e aos costumes da era vitoriana. Perceberá igualmente, como tão bem afirmou Sebastião Uchoa Leite, que o livro perdura “pela multiplicidade de interpretações que possibilita”.
Marco Aurélio Lucchetti é professor universitário e pesquisador de Cinema e Quadrinhos
Fonte: Revista Literatura