Alice no País das Maravilhas é um clássico da Literatura universal - Porém, classificar a obra de Lewis Carroll na categoria Infantojuvenil é limitar a sua real importância
Por Marco Aurélio Lucchetti
No século 19, foram escritas na Grã-Bretanha algumas obras que são verdadeiros clássicos da literatura inglesa e mundial: Frankenstein (1818), de Mary Shelley; Ivanhoé(1819), de Walter Scott; Memórias e Confissões Íntimas de um Pecador Justificado (1824), de James Hogg; Oliver Twist(1838); de Charles Dickens; Jane Eyre (1847), de Charlotte Brontë; O Morro dos Ventos Uivantes (1847), de Emily Brontë; Feira das Vaidades (1848), de William Makepeace Thackeray; Os Heróis do Mar (1855), de Charles Kingsley; A Mulher de Branco (1860), de Wilkie Collins; Silas Marner(1861), de George Eliot; As Minas do Rei Salomão (1885), de H. Rider Haggard; O Médico e o Monstro (1886), de Robert Louis Stevenson; Um Estudo em Vermelho (1887), de Arthur Conan Doyle; O Retrato de Dorian Gray (1890-1891), de Oscar Wilde; A Indigna (1891), de Thomas Hardy; O Livro da Jângal (1894-1895), de Rudyard Kipling; A Máquina do Tempo (1895), de H. G. Wells; Drácula (1897), de Bram Stoker; O Pecado de Liza (1897), de William Somerset Maugham; Lord Jim (1900), de Joseph Conrad; e, entre muitos outros, Aventuras de Alice no País das Maravilhas (ou simplesmente Alice no País das Maravilhas), de Lewis Carroll.
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Em geral, no Brasil, as pessoas consideram Aventuras de Alice no País das Maravilhas (Alice’s Adventures in Wonderland, no original) leitura infantojuvenil. Isso é um grande erro. O livro pode, ou melhor, deve ser lido (desde que numa tradução confiável; e nunca em versões adaptadas, que simplificam e desvirtuam o texto original) por crianças e adolescentes, já que é LITERATURA (neste momento, estou no local que o escritor norte-americano John Steinbeck deu o nome de YURRP
; e, aqui, os yurrpanos sempre escrevem esta palavra em letras maiúsculas) da melhor qualidade. Entretanto, seu público-alvo são os adultos.
Abre um parêntese.
Na introdução da primeira edição de The Annotated Alice (1960), Martin Gardner (1914-2010), um dos maiores especialistas em Lewis Carroll e sua obra, escreveu: “É apenas porque adultos – cientistas e matemáticos em particular – continuam a apreciá-los que os livros de Alice têm sua imortalidade assegurada.”
Não concordo com essa afirmação. Não são apenas cientistas e matemáticos (Martin Gardner, que, durante muitos anos, foi editor de problemas matemáticos da revista Scientific American, escreveu diversas obras sobre Matemática e Lógica) que apreciam os dois livros de Alice, Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho e o que Alice encontrou lá (Through the Looking-Glass and what Alice found there, no original). Esses livros, duas obras de extrema vanguarda – como bem disse o professor universitário Marshall McLuhan, em Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem (1964): “Lewis Carroll lançou o século 19 num mundo de sonho (...). (...) construiu a fantasia de um espaço-tempo descontínuo que antecipa Kafka, Joyce e T. S. Eliot. (...) deu aos confiantes vitorianos um jocoso antegosto do espaço-tempo einsteiniano” –, são lidos e apreciados por todos os adultos que buscam uma história inteligente (e encontrar uma história inteligente não está nada fácil nesta nossa época, em que prolifera nos meios de comunicação a mais absoluta imbecilidade e a total falta de criatividade). São lidos e apreciados por todos que desejam ler um texto escrito numa linguagem que seja, a um só tempo, brilhante e simples. São lidos e apreciados por aqueles que ainda não perderam a capacidade de se divertir e emocionar-se com uma obra literária. E é em razão dessas pessoas, que, certamente, não são poucas, que “os livros de Alice têm sua imortalidade assegurada”. São essas pessoas que tornam a menina Alice uma personagem eterna... uma personagem tão eterna quanto o detetive consultivo Sherlock Holmes e o vagabundo Carlitos.
Fecha o parêntese.
“As numerosas e divertidíssimas ‘loucuras’ dos dois livros de Alice implicam questões de lógica (com uso frequente do absurdo), física (antecipando, em relação às dimensões de tempo e espaço, o horizonte espantoso da ciência contemporânea) e filosofia. Neste último caso estão o enigma da identidade pessoal (tema que veio a se constituir num dos assuntos centrais da filosofia contemporânea), controvérsias sobre ética (portanto sobre valores associados ao nosso comportamento), disputas sobre linguagem (o problema do sentido das palavras, que aparece na discussão com a Duquesa, é central na linguística e na filosofia), a relação corpo-mente (uma das preocupações mais intrigantes da filosofia em todos os tempos) etc.”
Francisco Achcar
Francisco Achcar
Fonte: Revista Literatura
